Detesto os rituais associados à morte mas detesto, ainda
mais, hipocrisias.
Não sei como é em Portugal, mas nos EUA quando uma pessoa
morre é isto que, geralmente, acontece: durante 2 horas (à tarde ou à noite) as
pessoas vão velar o morto à agência funerária; no dia seguinte de manhã é a
Missa (ou qualquer outra cerimonia religiosa) de corpo presente, seguindo-se o
funeral e, por fim, um almoço oferecido pela família do defunto ou numa casa
particular ou num restaurante.
Pessoas bem vivas que nunca têm tempo umas para as outras,
usam a funerária e o almoço para pôr as conversas em dia; ele são sorrisos,
risos, beijos e abraços como se o ponto de encontro fosse um aeroporto ou uma estação
de comboio qualquer após muitos anos sem se verem. Ouvem-se gargalhadas e vozes
altas enquanto o pobre do morto está ali deitado, exposto e vulnerável, quem
sabe com vontade de se levantar e gritar, “SHUT THE F&C$ UP!” E aquilo
faz-me confusão.
Mas o que me faz ainda mais confusão é a hipocrisia. Pessoas
que, enquanto o falecido foi vivo, não lhe ligavam nenhuma, nunca quiseram
saber e agora, quando já é tarde demais, é que resolvem aparecer por obrigação
e por dever (“to pay their last respects”, como é costume dizer).
E foi por isso que eu fiz o que fiz. Enquanto a vossa tia
foi viva vocês nunca quiseram saber dela para nada. Nunca a visitaram no
Hospital, na casa de convalescença, no apartamento, nem nunca lhe telefonaram.
Nem quando sabiam que o fim estava perto e os dias contados se importaram.
Assim que ela morre aparecem que nem abutres à procura de mobília para as vossas
casas de férias e de dinheiro para pagar as propinas dos vossos filhos. Vocês
são indecentes, egoistas e hipócritas. E é por isso que eu não vos quero na
minha vida e Deus vos livre se aparecem no meu funeral só porque o dever e a
obrigação o manda. E foi por isso que eu saí mais cedo da Igreja e fui para o
carro à espera que aquilo acabasse – já não podia olhar para os vossos
focinhos; e foi por isso que, quando entrei no restaurante e vi que o único
lugar era na vossa mesa, dei meia volta e vim-me embora, deixando o vosso irmão
e mãe a terem de procurar boleia. Depois arrependi-me. Reconheço que esta não foi uma atitude
bonita, mas toda a paciência tem limites e a minha já não aguenta mais. A vossa
tia não merecia ser tratada daquela maneira enquanto viva. Vocês não mereciam a
vossa tia. Vocês não prestam para nada.
E é por tudo isto que, quando chegar a minha vez, recuso-me
a ser protagonista em tamanha fantochada. Já está tudo decidido e legalmente
documentado. Se ainda se aproveitar alguma coisa tirem todos os orgãos que
forem precisos que a mim já não me fazem falta e o que sobrar será doado a uma
Faculdade de Medicina local.
Rituais estúpidos, oportunistas e gente falsa não é comigo.
Vocês as duas fazem-me lembrar estas duas:
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