Nota Breve

Podia ter chamado este blog "Reflexões de uma luso-americana"; escolhi "Mensagem numa garrafa" por desconhecer o destino das minhas palavras e o impacto que estas terão. Será escrito nas versões de português de Portugal (pelos menos da maneira que me recordo) e de inglês americano.

This blog could have been named "Musings of a Portuguese-American"; I chose "Message in a Bottle" as I will never know who my words will reach and the impact they'll have on all those strangers. It is being written in American English, as well as in Portuguese from Portugal.

19 de agosto de 2017

Polinizando a compaixão (no mundo dos negócios)



Portamo-nos bem, trabalhamos muito para ter boas notas e/ou pagar propinas, crescemos e entramos no mundo dos negócios, todos esperançados mas verdes como tudo.

Depressa aprendemos duas coisas: (1) Agradar aos nossos superiores e outras figuras de autoridade, e (2) Trabalhar que nem cão de modo a obter o máximo possível de recompensas extrínsicas.

Frequentemente sem que nos apercebamos, somos levados a crer que motivadores extrínsecos (como o estatuto acompanhado de um salário chorudo e título que permitam uma determinada condição social) são mais importantes do que os motivadores intrínsecos (como o amor, o gosto pelo que fazemos, a participação, a criatividade, a liberdade). 

Somos condicionados. Deixamo-nos enganar. Caimos que nem uns patinhos.

Acontece que quando trabalhamos por motivadores extrínsecos em vez de intrínsecos, quando ignoramos a nossa vozinha interior a querer nos guiar por outros trilhos, corremos o risco de nos tornar egoístas, indiferentes, insensíveis, hiper-competitivos, obstinados, cruéis. Até que um belo dia olhamos para o espelho e deparamo-nos com autênticos monstros irreconhecíveis até a nós mesmos.

Porque a insensibilidade não é propícia à inclusão e equidade, formamos núcleos de salve-se-quem-puder, sociedades inteiras de ricos e pobres, de “haves and have-nots”.

Infelizmente, também é frequente a vida familiar sofrer. Afastamo-nos daqueles que nos são mais queridos, partimos, alienamos velhas amizades, divorciamo-nos... e “enrolamo-nos” com colegas de trabalho com quem nos identificamos e comiseramos. Anos mais tarde arrependemo-nos e sofremos porque queremos voltar atrás, queremos regressar às nossas raízes, às nossas origens, para o pé da “nossa gente” e não podemos. Tarde demais. A vida continuou e eles há muito que partiram para outra. Ficam-nos as lições valiosas que não nos servem para nada. 😢 💔

Nos Estados Unidos (a realidade com que estou mais familiarizada) é raro encontrar alguém com um trabalho que considere aliciante. E as pessoas que têm a sorte de ter empregos estão tão sobrecarregadas de trabalho que a maioria não usa todos os dias de férias a que tem direito. Muitas são as que têm dois (ou mais) trabalhos. Fazem-no por falta de tempo e para evitarem ser mais facilmente substituídos. Fazem-o para poderem viver uma vida condigna, mas também o fazem para adquirir uma série de produtos luxuosos, desnecessários e descartáveis. Fazem-o “to keep up with the Joneses.” 

Há que regressar às origens. Verdade que é impossível subsistir sem dinheiro suficiente que nos proporcione um certo conforto, mas isto vai muito além de mera “subsistência.” Isto vai direitinho à avareza e à obsessão pelo poder. Isto é tudo impulsionado pelo ego. Isto é tudo para dar nas vistas. Isto é tudo para provarmos (a nós e aos outros) de que somos capazes: “Olha para mim, ao que eu cheguei apesar das minhas humildes origens...eu sou o maior...”

É tudo uma tela de fumo.

A verdade é que a grande maioria de nós não necessita de metade da riqueza material que acumulamos ao longo dos anos. O que precisamos é de mais compreensão, mais perdão, mais ajuda e trabalho em equipe. 

O que precisamos é de mais compaixão. Compaixão por outras pessoas, compaixão por nós mesmos.

Precisamos de nos concentrar mais nos motivadores intrínsecos e menos nos extrínsecos. Precisamos de prestar atenção aos sussurros dos nossos corações. Se conseguirmos fazer isso, ficará claro que a desigualdade que nos rodeia não deve ser aceite; depois, intrinsecamente, devemos fazer algo a esse respeito. Quando seguimos o nosso coração sentimo-nos mais realizados e mais compassivos.  As nossas vidas estão de tal maneira entrelaçadas, que quanto mais verdadeiros formos a nós mesmos, mais ligados nos sentiremos aos outros e mais sensíveis ao mal alheio ficaremos. Isto é algo que eu estou a começar a perceber, e é por isso que a minha vida tem dado tanto reboliço neste último ano e meio e prepara-se para dar ainda mais voltas. Para além de muita boa vontade, isto é algo que requer uma enorme dose de coragem e transformação. Incrivelmente gratificante. Tudo menos fácil.
São estas as necessidades humanas fundamentais. Tudo o resto é secundário.

Estamos todos juntos neste jogo que não tem, necessariamente, de ser sujo; por isso, deviamos era apoiarmo-nos mutuamente em vez de nos comportarmos como se de uma verdadeira luta de galos de capoeira se tratasse. Deviamos regressar ao que eu gosto de designar “as origens” i.e.,  àquilo que é importante para nós e não ao que a sociedade entende ser importante para nós. Só assim será possível polinizar a compaixão, só assim toleraremos menos a desigualdade de modo a, então, vivermos numa sociedade tão equitativa quanto humanamente possível.

Antes que seja tarde demais.

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