Nota Breve

Podia ter chamado este blog "Reflexões de uma luso-americana"; escolhi "Mensagem numa garrafa" por desconhecer o destino das minhas palavras e o impacto que estas terão. Será escrito nas versões de português de Portugal (pelos menos da maneira que me recordo) e de inglês americano.

This blog could have been named "Musings of a Portuguese-American"; I chose "Message in a Bottle" as I will never know who my words will reach and the impact they'll have on all those strangers. It is being written in American English, as well as in Portuguese from Portugal.

30 de janeiro de 2015

Lynn, as incertezas da vida e a solidão

Lynn é uma mulher alta, cinquentona, executiva-sénior no local onde trabalho. Anda sempre muito apressada, de costas direitas e passos largos e resolutos. Exulta confiança, determinação, importância, poder e desembaraço. A nível profissional é, simultaneamente, admirada e temida; é respeitada pela frente e desrespeitada pelas costas – eu bem sei o burburinho invejoso e os boatos sórdidos que oiço!

Lynn nunca casou, não teve filhos e, que se saiba, não tem nenhum amigo/a com “benefícios.” Também não me parece ter feito amizades com colegas. Vive num condomínio localizado num dos locais mais exclusivos do Estado onde moro e conduz um BMW. Em princípio, portanto, Lynn é uma mulher independente com todas as qualidades e pergaminhos para ser admirada.

Hoje de manhã, durante uma reunião no seu gabinete, reparei que tinha em cima da secretária uma fotografia do seu lindo pastor alemão. Enquanto que todos nós temos fotos dos nossos “significant others” e/ou filhos…Lynn tem uma foto de um cão. Tive pena dela.

Primeiro porque pensei logo na solidão, esse monstro tão temido que tanto mal faz a tantos de nós. Mas depois dei comigo a pensar… Será mesmo assim tão mau? É verdade que quando Lynn chega a casa à noite não tem ninguém com quem conversar ou passar momentos íntimos e agradáveis, mas igualmente verdade é que Lynn também não tem ninguém com quem discutir, a lhe dar cabo do juízo ou que lhe ponha os nervos em franja. O que Lynn tem quando chega a casa é tranquilidade, paz e sossego. E isso, para muitos, pode ser preferível.

Que piada tem passar um dia inteiro sob enorme stress quando se chega a casa à noite e se vive mais do mesmo? Sei de casais que vivem juntos há decadas pura e simplesmente por conveniência, lealdade ou razões económicas. Muitos levam vidas semi-independentes, mesmo vivendo sob o mesmo tecto e, quando se dirigem palavra, é mais para se insultarem ou discutirem do que para comunicarem. O resto do tempo evitam-se. Cada um sabe de si e é por isso que tenho por hábito não criticar ninguém pelas suas decisões. Eu sei o quanto a vida é incerta, eu sei que “employment at will” traduz-se por “emprego precário”, que é como quase todos nós vivemos. Ninguém sabe o dia de amanhã, ninguém sabe se, quando sai de casa de manhã, se terá emprego quando regressar à noite. Infelizmente, é esta a realidade dura e crua. E é por isso que tantos casais e trabalhadores se sujeitam a situações longe de ser ideais.  Resignam-se durante o dia ao “be thankful you have a job” e resignam-se à noite à rotina, ao familiar, ao seguro. As garras do medo e da incerteza conseguem ser muito fortes.

Ouve-se falar muito de casais onde ambos cônjuges ficam desempregados de um momento para outro, mas pior ainda é quando isso acontece aos solteiros e estes vêem-se obrigados a liquidar tudo quanto possuem para depois irem viver para dentro dos próprios carros; passam depois a noite em parques de estacionamento de onde são corridos de manhã. Sós, sem o apoio de ninguém, sem um ombro onde chorar, sem ninguém com quem comiserar. A situação é de tal maneira dramática que até já há muitos estabelecimentos a colocarem barreiras ou notificações a alertar que os carros ali estacionados serão multados e/ou rebocados. Ninguém quer saber. Ninguém se interessa. Desgraças destas só acontecem aos outros e de qualquer maneira a culpa é deles por se terem deixado chegar a essa situação. Agora que se amanhem!

Tudo isto para dizer que os solteiros que se queixam da solidão e que desejam para si aquilo que os outros aparentam ter, devem-se lembrar do seguinte: nenhum de nós sabe o que realmente se passa por detrás das portas fechadas dos outros. As aparências iludem.


Relações modernas:
A Lynn é que é esperta!

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