Lynn é uma mulher alta, cinquentona, executiva-sénior no local onde
trabalho. Anda sempre muito apressada, de costas direitas e passos largos e
resolutos. Exulta confiança, determinação, importância, poder e desembaraço. A
nível profissional é, simultaneamente, admirada e temida; é respeitada pela
frente e desrespeitada pelas costas – eu bem sei o burburinho invejoso e os boatos
sórdidos que oiço!
Lynn nunca casou, não teve filhos e, que se saiba, não tem nenhum
amigo/a com “benefícios.” Também não me parece ter feito amizades com colegas. Vive
num condomínio localizado num dos locais mais exclusivos do Estado onde moro e
conduz um BMW. Em princípio, portanto, Lynn é uma mulher independente com todas
as qualidades e pergaminhos para ser admirada.
Hoje de manhã, durante uma reunião no seu gabinete, reparei que tinha
em cima da secretária uma fotografia do seu lindo pastor alemão. Enquanto que
todos nós temos fotos dos nossos “significant others” e/ou filhos…Lynn tem uma
foto de um cão. Tive pena dela.
Primeiro porque pensei logo na solidão, esse monstro tão temido que
tanto mal faz a tantos de nós. Mas depois dei comigo a pensar… Será mesmo assim
tão mau? É verdade que quando Lynn chega a casa à noite não tem ninguém com
quem conversar ou passar momentos íntimos e agradáveis, mas igualmente verdade
é que Lynn também não tem ninguém com quem discutir, a lhe dar cabo do juízo ou
que lhe ponha os nervos em franja. O que Lynn tem quando chega a casa é
tranquilidade, paz e sossego. E isso, para muitos, pode ser preferível.
Que piada tem passar um dia inteiro sob enorme stress quando se chega a
casa à noite e se vive mais do mesmo? Sei de casais que vivem juntos há decadas
pura e simplesmente por conveniência, lealdade ou razões económicas. Muitos
levam vidas semi-independentes, mesmo vivendo sob o mesmo tecto e, quando se
dirigem palavra, é mais para se insultarem ou discutirem do que para
comunicarem. O resto do tempo evitam-se. Cada um sabe de si e é por isso que
tenho por hábito não criticar ninguém pelas suas decisões. Eu sei o quanto a
vida é incerta, eu sei que “employment at will” traduz-se por “emprego
precário”, que é como quase todos nós vivemos. Ninguém sabe o dia de amanhã,
ninguém sabe se, quando sai de casa de manhã, se terá emprego quando regressar
à noite. Infelizmente, é esta a realidade dura e crua. E é por isso que tantos
casais e trabalhadores se sujeitam a situações longe de ser ideais. Resignam-se durante o dia ao “be thankful you
have a job” e resignam-se à noite à rotina, ao familiar, ao seguro. As garras
do medo e da incerteza conseguem ser muito fortes.
Ouve-se falar muito de casais onde ambos cônjuges ficam desempregados
de um momento para outro, mas pior ainda é quando isso acontece aos solteiros e
estes vêem-se obrigados a liquidar tudo quanto possuem para depois irem viver
para dentro dos próprios carros; passam depois a noite em parques de
estacionamento de onde são corridos de manhã. Sós, sem o apoio de ninguém, sem
um ombro onde chorar, sem ninguém com quem comiserar. A situação é de tal
maneira dramática que até já há muitos estabelecimentos a colocarem barreiras
ou notificações a alertar que os carros ali estacionados serão multados e/ou rebocados.
Ninguém quer saber. Ninguém se interessa. Desgraças destas só acontecem aos
outros e de qualquer maneira a culpa é deles por se terem deixado chegar a essa
situação. Agora que se amanhem!
Tudo isto para dizer que os solteiros que se queixam da solidão e que
desejam para si aquilo que os outros aparentam ter, devem-se lembrar do
seguinte: nenhum de nós sabe o que realmente se passa por detrás das portas
fechadas dos outros. As aparências iludem.
Relações modernas:
A Lynn é que é esperta!
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